23 de setembro de 2005

Dez horas

Dez horas. Não. Nove e cinqüenta. Chegou dez minutos mais cedo. Ansioso? Demorei a sair do apartamento e descer os nove andares, apesar do elevador. Noite quente. Meus pés e ombros estavam suando num sapato de verniz com salto e um zíper enorme. Não lembro o que ele usava nos pés. Às vezes faz cara de coelhinho assustado, arregala os olhos grandes e olha fixo. Talvez não seja bem isso. O bar era muito original com alta decoração mexicana. Fomos para o espaço aberto ao céu. Algumas garrafas enormes, mais ou menos com meio metro e penduradas nas árvores balançavam levemente. Garrafas de tequila. Pedi uma margarita tradicional e ele um preparado chamado ‘el diabo’. Ao mesmo tempo em que fez o pedido, fez também o sinal da cruz. Para mim? Para o drinque maluco que pedira? Para a noite? Não consegui perceber, pois seu olhar é igual para tudo, a não ser quando arregala os olhos. Fala brincando ou fala triste e o olhar é o mesmo. Não dá para perceber então, o que na realidade sente. Pena. Queria saber o que o sinal da cruz representava. Sinais desse tipo são todos muito importantes. Não importa a cruz. Importa que é sinal. Que é para seres humanos. Para mais ninguém. O sal da margarita me embriagou. Ria alto sobre a adaptação dele ao frio do Sul. Diz que vai me chamar de macarrão porque meu apelido lembra marca de massas italianas. Está certo, sou descendente de italianos por ambos os lados. Mas não tenho jeito para espaguete. Decididamente não sou macarrão. Fim de noite. Fiz um discurso sobre meus desvios de personalidade começando pela letra a até z. Em algumas letras tive que optar, em outras nada me ocorria. Mais margarita. Um café expresso para mim. Agora falávamos de excursões a cemitérios. Tirei fotos de lápides tumulescas no final de semana num antigo cemitério do interior. Convidou-me para passear pelo da Capital. Existe um guia que percorre os lugares mais interessantes. Fez algo assim em Buenos Aires. Tipo Evita Péron. De cemitérios a flores. Passa um senhor bastante idoso com um vaso repleto de pequenas rosas amarelas. Não, por favor, flores não. Agora não. Mais tarde também não. Só quando chegar o momento. Ri do café à meia-noite - diz que é incomum. Talvez ache que sou louca. Mas por que seria? E por que ele pensaria isso? E ele? Seria ou não? Cinco horas da madrugada. Tenho que ir. Deixei as luzes em casa acesas e a porta da sacada aberta.
Cinco horas da madrugada e um minuto. Tenho que ficar. Deixei as luzes apagadas e a porta que dá para o quarto, aberta. Então, fico mais um pouco sem saber ao certo porquê.

Anna K. & Aquele Estranho Empirismo que nos cerca às vezes. Parte: Menos Um