15 de setembro de 2005

Esperamos que se lembre de todas as suas perguntas

Esperamos que se lembre de todas as suas perguntas. Durante muitos dias nada dissera, nada escrevera, lera ou pensara. Submersa. Lembrou-se de Drapper ‘cristianismo e ciência, não lhes é possível existir lado a lado, a humanidade tem que fazer sua escolha, pois não pode ter os dois’. Não pode ter os dois, isto ficou a bater em sua mente, não queria algo, não queria algo com todas as suas forças, não queria enxergar o que não queria. Sem saber porquê ou para quê sentou-se sobre si mesma e chorou. Por que não estava no lugar certo, não pensava ou fazia as coisas certas. Queria acertar. Mas havia outras pessoas e outros pensamentos perdidos por entre os acertos. Havia um exagero no ar. Era preciso sempre estar escolhendo entre vários antagônicos: admirar o sol ou admirar a lua, admirar as lágrimas, admirar o riso. Este constante escolher a deixava exausta. Era um escolher para o mesmo ato em diferentes coisas existentes. As pessoas pensam que escolhem "coisas", não, escolhem sempre um "ato" em direção à algo. Como se confundem. Escolher errado é perigoso e quando o "estar certo" está, porém, errado para a vida, aí então moram certezas de escolhas. Achou que delirava. Achou até que morrera. Gostaria de ler algo que a retirasse do estado amorfo. Palavras sem mesmices de sensações, pois elas eram apenas o detalhe "do depois" das sensações. Desejava palavras invertidas, frases desmontadas e textos recortados. Algo não fazia sentido. Por que não tinha o direito de saber o seu próprio sentido? A resposta, é claro, não viria dela, pois com certeza mentiria para si mesma, compreender seu próprio sentido a faria negar seu destino. Não temos a tendência de nos apegarmos aquilo que sabemos ser efêmero ou gostar de coisas ou pessoas passageiras e, no entanto, somos passageiros de nós mesmos e nesse ser-transitório depositamos nossa tristeza de mortalidade. Também nossas dissimulações de continuar esperando pelo "depois", o "depois" das sensações.
No cemitério: não sabia quem iria visitar, também lá não conhecia ninguém. Parou na frente, uma enorme pedra ao lado do portão de entrada, torneado com ferro e antiquíssimo, recebia os visitantes com a seguinte frase escrita em spray preto : ‘você não poderá levar coisas materiais, viagem sem bagagem, aqui termina você, aqui começam suas respostas, esperamos que se lembre de todas as perguntas.
Sensata-brincadeira. E tinha a ver com o "depois" de todas as sensações.
Exercício Literário
1996