14 de setembro de 2005

Paraíso transfigurado

"O que te obrigou a ficar em silêncio na escada em ruínas na casa de teus pais?"
Trakl. Outono transfigurado.
"Ela está comprando uma escada para o paraíso. E você sabe, como as palavras podem ter dois sentidos [...] Ela está comprando uma escada para o céu." Stairway to heaven

Era cedo quando o carteiro bateu à porta. Muito cedo para ler um cartão. Muito cedo para qualquer coisa. Subiu os degraus da velha escadaria de madeira, corroída pelos cupins, pelos seus próprios passos e pelo tempo, com o envelope na mão. Atirou-se na cama. Compactuava. Era isso. E tudo em silêncio. Trilhar seu acaso. Subir. Pisar. Descer. Abriu o cartão: "o que te obrigou a ficar em silêncio na escada em ruínas na casa de teus pais?"
Ficou a imaginar epígrafes escritas pelos longos degraus já bem amarelados pelo uso constante de seus pés, escritos de Trakl, Montaigne e tantos outros. Mas a verdade era uma só, a sua escadaria não possuía epígrafes. Velhas escadarias tão incompreensíveis em sua existência como o são as epígrafes para aqueles que insistem em negar suas emoções. Só sabia de uma coisa: desejava para suas emoções o viver literário.
No verso do cartão um aviso: "ele está comprando uma escada para o paraíso."
Anna K.
Exercício literário
1997

Os degraus que pisamos o fazemos uma só vez. Não há como retornar. Fazemos parte de um tipo de escadaria que não amarela com o tempo, só vai ficando para trás.