13 de setembro de 2005

Cinzas


Sebastian sabia que estas últimas semanas poderiam tê-lo tornado um ser em extinção. Tudo se desenrolara muito confuso entre ele e Itsa. Discutiram várias vezes sem entenderem um ao outro. Itsa partiu. Sebastian ficara só. Sentiu vontade de chorar. Não sabia o que Itsa conseguia despertar dentro dele. Como se outro alguém lhe dissesse bem dentro do seu pensamento coisas que só ele poderia saber. No entanto cansara de sofrer. Não a queria mais.
O local onde costumavam passear havia queimado depois daquela noite. Incrível — pensou Sebastian — podia ainda sentir o cheiro do fogo violento e ao mesmo tempo os ruídos indiferentes dos escombros queimando. Não sobrara nada da velha construção. Iam até lá constantemente. Refúgio. Lembrava um enorme castelo medieval corroído pelas guerras, pelo tempo e abandono. E agora queimara. E agora se separavam um do outro.
Olhou de longe, começou a caminhar em direção às cinzas. Era o que havia restado. Alguns diziam ser as cinzas ‘nada’, mas seriam sempre cinzas de algo que existira. E se não fossem tão fininhas e minúsculas talvez pudessem ser reconstituídas por um hábil arquiteto. Afinal para que serviam senão para construir e reconstruir? Mas Itsa não era arquiteta e ele também não.

Teve pena de caminhar por sobre elas. Uma ligeira impressão de que iria magoá-las se as pisasse. Bobagem, estava ficando sentimental com a separação. Cinzas com sentimentos. Estava era arranjando algo a mais para tumultuar a vida. Começou a caminhar até o centro, pisando por sobre os restos que só o fogo consegue produzir. Restos substituídos e esquecidos. Eram muitas cinzas. Não imaginou que pudessem ser tantas. Sentiu um abandono como naqueles dias em que o vento parece triste. E que bate no nosso rosto de propósito para nos fazer lembrar que a tristeza não é um privilégio só nosso. Culpa do vento.

Continuou subindo em direção ao que antes era o interior da casa. Ao chegar à porta de entrada parou de repente. Por sobre uma grande pedra, que se destacava em meio a todas aquelas cinzas, estava um grande livro marrom. Como se quisesse lembrar algo muito antigo. O que conteria o livro? Por que não queimara junto com tudo? A curiosidade cresceu. No entanto, se não fosse destinado às suas mãos e aos seus olhos? Aproximou-se. A capa continha letras antigas, góticas talvez. ‘O destino está em tuas próprias cinzas.’ Pegou-o com tanta delicadeza que quase o deixou cair no chão. Abriu-o. Leu: como se do outro dependesse seu destino. Aquele que errar levará consigo a esperança de felicidade que o outro carrega. Mas não esqueças, jamais trace um destino em palavras escritas, melhor deixar fluir. Há muito ainda para ver, pois com certeza és jovem.

Fluir. Sim, pensou Sebastian. Havia muito o que mudar em sua vida. Destino flui livremente. Sabia que a liberdade de si próprio não estava em Itsa. Voltou para casa sem carregar o livro consigo. Alguém voltaria lá para buscá-lo? Talvez. Talvez todos façamos isto, em alguns momentos de nossas vidas, um certo retorno de constante invasão em nossos próprios sentimentos alquímicos.
Anna K.
1997