Retrato de Família
A senhora de cinqüenta anos está deitada na cama de madeira torneada. Lençóis brancos e um cobertor de cores escuras a cobrem, deixando somente braços, colo e rosto descobertos. Três rapazes e duas moças estão parados ao seu redor. É um retrato da mãe doente com seus cinco filhos a contemplá-la. Não se sabe se é a foto antiga em preto e branco e amarelada ou se eles realmente vestem estas cores. Não se sabe se o líquido revelador excedeu o tempo sobre o papel ou se a mãe estava mesmo muito pálida. A filha menor tem uma roupa diferente dos demais. Ainda usa um vestido de menina com uma blusa branca por baixo, laços soltos, meia igualmente branca e sapatilhas pretas. O vestido pelos joelhos talvez fosse bege, mas era ainda de menina. E ela talvez tivesse seus onze anos. Cabelos curtos deixando visível a expressão do desconforto — com o fotógrafo ou com a doença da mãe? — diferente da roupa, não usa mais o olhar de menina. Os rapazes com seus ternos escuros permanecem com uma expressão serena, porém misturam a ela o vir-a-ser de ilusões a serem desfeitas, um debruçar-se sobre um mundo que se mostra falsamente livre. A outra filha, com uma veste mais sóbria e um olhar já de dissimulação, talvez a mais velha de todos eles, mostra-se inquieta e louva em voz baixa palavras que nunca penetraram sua alma. Os olhos de Helena — da mãe — estão fechados. Ela dormiu durante todo o dia. Também a noite. E as outras dezoito horas seguintes à noite. Dorme muito. Ela adoece, ela dorme. O sono às vezes traz pesadelos para Helena, mas a alma não tem medo de viver o sono e os sonhos e os pesadelos e jamais esquece o que vive no seu mundo interior. Não tem medo. Sempre vai. A pequena Angêla logo se deu conta disso. Via sua mãe agonizar dormindo e deduzira, ‘ela dorme em demasia’ e então acaba por conceder um tempo muito grande para que os pesadelos a encontrem, ela deixa que eles a suguem de uma outra forma, enquanto está indefesa. Não dormirá como sua mãe. Também não terá muitos filhos. Dois, quem sabe. Ou nenhum. Dormirá somente quando não puder manter os olhos abertos. E acordará quando sua alma voltar para cama antes de ter encontrado coisas tristes. Sim, dormirá pouco, pouquíssimo. Preferia não ter de dormir.’ O olhar de Ângela é o desconforto da mãe deitada. Ela não vai levantar mais? Se ela não levantar, Ângela não dormirá nunca mais. O fotógrafo finalmente tira a fotografia. A mão abre os olhos, vira para o lado e continua a dormir. Ângela sai do quarto. Ela vai ler, vai andar, talvez chorar. Mas não vai dormir como a senhora idosa, cabelos grisalhos com a magreza da velhice e as roupas largas de cores escuras, que a tornam propriamente uma imagem do passado, maior do que a imagem da fotografia.
Anna K. & a Paixão Dominante por Imagens Simulacradas
1997